É difícil sermos felizes. É fácil atirar-mo-nos de cabeça para dentro de qualquer coisa que nos cheire a felicidade, mas é difícil não bater com a cabeça no chão. Porque para sermos felizes insistimos em que a cabeça é que tem de sofrer, mas porquê, se quem manda é o coração? Batemos e batemos, vezes sem conta, no fundo. Arrastamos o cérebro atrás do nariz - segue o cheiro de ser feliz. Fechamos os olhos e remoemos o que nos arde por dentro, mas não sabemos onde arde, nem o que arde ao certo. Sabemos apenas que queima.
As pessoas caem - levantam-se, sorriem, caem outra vez. Por mais que se deite as mãos à cabeça e se grite, se chore, se fungue - se não se ouvir não vale de nada. Porque enquanto a dor queima sabe-se lá onde, a voz que se ouve que grita connosco, não vem da cabeça. Vem do coração. E o coração não vai atrás da cabeça, o coração não vai atrás de nós, por mais que queiramos.
As pessoas querem lá chegar, mas o coração não as leva. Ele não anda atrás de nós. Somos nós que andamos atrás dele. A correr, as pessoas correm atrás do miocárdio, porque ele foge e se não o apanharmos, ele não nos leva com ele - para onde cheira a ser feliz.
(Mas quando não lhes interessa) As pessoas fogem. O órgão produtor de amor e de dor (tudo acabado em -or) não corre atrás. Persegue. Caminha em bicos de pés, não quer ser ouvido. Quer assustar. Quando não é procurado, procura, encontra. E mói, e rói, e dói, mas não mata.
As pessoas têm medo. O amor (é uma faca de dois gumes), não mata, as pessoas matam o amor. O medo das pessoas mata o amor. As pessoas matam o amor, e voltam a matar, e matam, e voltam a matar outra vez.
As pessoas magoam. Atiram-se todas de cabeça contra uma parede branca. Só o amor pode salvá-las de ir contra ela. Mas as pessoas querem ser magoadas. E as que magoam, magoam porque foram magoadas e... dói. As pessoas arrancam miocárdios e atiram-nos umas às outras: não é um jogo. É um coração. São pessoas. São duas pessoas que fazem um coração (como são duas pessoas que dançam um tango). E é tão difícil ser feliz quando é tão fácil cairmos dentro do amor sem saber se sairemos vivos de dentro dele.
O problema nunca foi nos atirarmos, cairmos, amarmos, ardermos (nem morrermos). O problema foi sempre magoarmos (magoar-mo-nos). O amor não mata, o amor só vicia. E nós (pessoas) magoamo-nos a nós, para termos uma desculpa para matarmos os outros.
E as pessoas que nos magoam mais (que nos matam mais), são aquelas que haviam prometido nunca o fazer.
1 comentário:
Sem duvida nenhuma,Optimo texto!
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