O amor é guloso quando obriga o nosso coração a comer outro coração para sobreviver e quando traz consigo borboletas que nos arranham a barriga numa ansiedade gulosa. O rapaz gordo sentado no café a comer uma fatia gigante de bolo até podia ser guloso também, mas não é. Só sofre de gula, coitado. Guloso é o bolo, que, após passar pelo esófago, vai apoderar-se do seu estômago. Vai consumi-lo juntamente com a sua consciência pesada e gulosa por ter comido mil calorias em cinco minutos. Gulosa é a vida, que nos arrasta com ela quando passa por nós e nos coloca, propositadamente, pedras no caminho para nelas tropeçarmos. Tem gula de nos ver cair e nunca fica cheia.
Gulosas são as pessoas, que existem com gula de ser. Gulosa é a menina do papá que sofre de obesidade mórbida de mimo. Gulosos foram os meus pais, que tiveram necessidade de procriar para provar ao mundo o seu amor. E gulosa foi a minha infância, em que eu trocava beijos por bolachas. Gulosos são os homens por mamas e as mulheres por príncipes encantados. Mas os opostos atraem-se com gula de amar. E eu tenho gula de criar um novo verbo: gulo-te em vez de amo-te. Guloso é o professor, que quer, desesperadamente, que os alunos tenham gula de gramática. Gulosas são as palavras por alguém que as escreva, guloso é o vinho por alguém que o beba e o chão por alguém que o pise. Gulosos eram Elvis Presley por cantar e Marylin Monroe pelo presidente Kennedy. Gulosos são os corações partidos, que soltam gargalhadas ao verem-nos bater com a cabeça nas paredes.
Gulosos são os media, que saltam de escândalo em escândalo com fome da desgraça dos outros. Gulosas são as putas que se vendem por dinheiro, a gula do materialismo. A sociedade é gulosa. Tem gula de felicidade, sempre descontente com a gulosa da vida, sempre em busca duma escada de incêndio que chegue à janela da satisfação plena. Gulosos são os meus olhos quando se cruzam com os teus lábios. Guloso é o meu corpo quando se apodera do teu num movimento brusco. Sofro de gula crónica: sou gulosa por tudo o que não é meu. A minha cabeça tem gula de comer um chocolate quando o meu estômago não tem fome. O meu ego tem gula dos teus elogios só para inchar mais um pouco. Tu próprio tens gula de mim quando me beijas. E somos gulosos os dois. Todos os dias, dias gulosos por passar. A vida inteira: a vida com gula de nos cansar, a ver se desistimos de a viver, de a chatear, de a consumir gulosamente.
Gulosa é a morte, tem gula de nos matar e de nos ver morrer.
Guloso é o fim, neste mundo onde tudo é eterno até acabar.
E nós somos gulosos de finais felizes.
Trabalho para Técnica e Expressão do Português, Escola Superior de Comunicação Social
1 comentário:
Enviar um comentário