Parte de mim ficou na outra margem quando te vi partir. Do outro lado de Lisboa, bem longe da vista, bem perto do coração. Cruzaste o rio Tejo. Da janela do comboio viste o nosso amor passear com as ondas, desejaste entrar num daqueles barcos à vela que navegavam para o outro lado do rio - contrário ao teu. Tentaste olhar em frente e viste, ao fundo, o final da ponte, o ponto de chegada, antes ponto de partida, a tua origem. Quiseste que o comboio parasse, que o mundo parasse de girar, pensaste em pedir tempo emprestado ao tempo, tempo suficiente para voltar atrás. Não fazia sentido regressar ao ponto de partida sem mim, sem nós. Sentiste-te como se andasses às voltas num carrossel gigante em forma de coração, com múltiplas veias como que braços, sentiste-te a passar de mão em mão, de momento para momento, ao mesmo tempo que relembravas com pormenor - e memória fotográfica a tua - cada centímetro do nosso amor, cada traço de expressão do meu rosto, cada movimento do meu corpo de encontro ao teu, cada segundo do tempo que tinha sido nosso. Voltaste para a mim não voltar, mas nunca saiste daqui. Nunca sequer deixaste o teu pé pisar fora da porta do meu quarto e permaneceste no cheiro dos meus lençóis por tempo indeterminado. Sempre te imaginei sentado no chão da minha varanda de cada vez que cheguei a casa para um quarto vazio, uma cama vazia, um miocárdio a respirar com dificuldade, partido em dois com uma metade em falta. Partiste para ficar? Ficaste na minha memória, parei o tempo do meu pensamento na última vez que te vi: estávamos os dois, frente a frente, e então pedi-te para não estragares aquele momento com uma despedida, queria-o intacto na minha cabeça, enganando o meu coração constantemente com a perfeição dos teus actos e tu, a minha pessoa preferida, pediste-me para fechar os olhos e contar até sete. Quando os voltei a abrir, havias desaparecido, imaginei-te de malas e bagagens a correr para apanhar o autocarro, imaginei-te do outro lado da rua à espera que eu fosse à janela do meu quarto para te dizer adeus. Eu não apareci. Aliás, fiquei parada naquele exacto momento, perfeito, intacto, não lhe mexi, não movimentei um dedo sequer para que tudo permanecesse como o tinhas deixado. Assim que a hora do teu autocarro partir passou, parti o meu relógio em mil pedaços e corri para a janela em direcção ao conceito vazio de ti. O meu tempo ficou ali e, assim, paraste dentro de mim.
Não há outro que conhece tudo o que acontece em mim.
20090701
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